Não houve consenso nem mesmo entre os dois representantes do campo conservador

Ricardo Balthazar para Folha de S. Paulo em 19/02/2020 (acesse matéria original)

Um debate sobre o impacto da eleição do presidente Jair Bolsonaro para as políticas da área cultural expôs divisões profundas entre simpatizantes e opositores do governo nesta quarta (19), durante o 3º Encontro Folha de Jornalismo. Não houve consenso nem mesmo entre os dois representantes do campo conservador na mesa sobre a natureza do projeto que o novo governo pretende implementar e a melhor estratégia para alcançar seus objetivos. O cineasta Josias Teófilo, diretor de um documentário sobre o escritor Olavo de Carvalho, “O Jardim das Aflições”, observou que, após sucessivas trocas no comando da gestão da área, ainda é impossível saber a direção que Bolsonaro adotará.
“A esquerda se assusta porque de repente vê essa máquina na mão de seus piores inimigos, mas a verdade é que eles não sabem o que fazer com ela”, afirmou. “Houve uma ruptura, mas nem quem está no governo sabe o que vai acontecer.”
A professora de filosofia Catarina Rochamonte, do Instituto Liberal do Nordeste, acha que o problema é outro. “A gente agigantou demais o Estado, e as leis de incentivo tiveram efeito pernicioso”, disse. “O subsídio deveria ser mínimo.” Bolsonaro nomeou a atriz Regina Duarte como secretária especial de Cultura no fim de janeiro, em substituição ao dramaturgo Roberto Alvim, que foi demitido do cargo depois de copiar um discurso nazista ao anunciar o lançamento de um prêmio patrocinado pelo governo. O secretário de Cultura do município de São Paulo, Alexandre Youssef, considera o investimento público na área fundamental, mas concorda com a necessidade de critérios que garantam diversidade na produção cultural. “O gestor não é curador nem está lá para financiar só o que gosta”, disse. “O desafio é construir pontes e aproximar diferenças.”
Youssef acha que o governo Bolsonaro está empenhado na destruição dos mecanismos de financiamento da cultura implementados por seus antecessores. “É um governo revanchista que quer destruir a estrutura da área”, afirmou. “As consequências serão horrorosas para todos os gostos.” Para a cantora Zélia Duncan, a chegada de Bolsonaro ao poder representou uma mudança dramática para a classe artística. “Viramos inimigos”, disse. “A gente é atacado o tempo inteiro, e há um clima de hostilidade que nunca pensei que enfrentaria.” Ela afirmou que críticas à Lei Rouanet, principal mecanismo de financiamento público de atividades culturais no país, durante a campanha eleitoral de 2018 foram estimuladas por grupos conservadores nas redes sociais com o objetivo de desacreditar a classe artística. Duncan e Youssef acusaram o governo Bolsonaro de promover a volta da censura, ao retirar apoio de peças de teatro que tinham recebido financiamento da Caixa Econômica Federal, e mudar critérios para distribuição de recursos em novos editais de seleção de projetos culturais. Para Rochamonte, porém, é um erro caracterizar essas iniciativas assim. “Não há censura no Brasil”, ela disse, recebendo vaias da plateia. “Adotar critérios para orientar o investimento público não é censura”. E acrescentou: “Ninguém está proibindo cantor de cantar e poeta de escrever, nem estamos vivendo sob o fascismo.” ​Rochamonte disse ser contra a adoção de critérios ideológicos na seleção de projetos culturais, mas defendeu seu veto por razões de ordem moral. “Não é obrigação do governo fomentar com dinheiro público algo que poderá agredir frontalmente o senso moral de quem paga os impostos”, disse a professora. “Isso não é censura”. Youssef disse que não há dúvida de que há censura quando atividades artísticas perdem apoio e a chance de alcançar o público por causa da adoção de critérios desse tipo na distribuição do dinheiro. “A liberdade de expressão é fundamental para a democracia, e é assim que começa o flerte com a ditadura”, disse.