Por Cris Olivieri para o site direitocom.com 07/11/2016 A operação “Boca Livre” da Polícia Federal prendeu e interrogou várias pessoas vinculadas a um esquema criminoso de uso indevido dos recursos da Lei Rouanet. Como já é de conhecimento geral, a Lei Rouanet regulamenta o incentivo fiscal à cultura, através do qual, empresas podem apoiar projetos artísticos previamente aprovados pelo Ministério da Cultura, e deduzir o patrocínio do imposto de renda. O efeito imediato da notícia foi criar o questionamento entre as empresas patrocinadoras sobre suas políticas e atuações no segmento da cultura, através do uso de incentivos fiscais. Afinal, o inesperado desta operação foi o envolvimento no ato ilícito de empresas com marcas importantes, inclusive multinacionais¹ , das quais esperava-se uma atitude empresarial mais ética e cuidadosa. Mas, afinal, o que pode a empresa patrocinadora além de receber o benefício fiscal? Como regra geral, é permitido às empesas patrocinadoras de projetos previamente aprovados na Lei Rouanet veicular sua marca na comunicação do projeto e receber até 10% do total do produto final, ou seja, 10% dos livros, dos ingressos, etc, para distribuição gratuita. Contudo, o benefício recebido pelos envolvidos na operação Boca Livre ficava completamente fora do permitido pela Lei. Mesmo os que não dominam os detalhes do uso dos incentivos fiscais teria percebido sua inadequação, apenas usando o bom senso. Verba para festa de fim de ano ou devolução de dinheiro não poderiam estar incluídas em qualquer tipo de incentivo, por questão de princípio. O grave é que é pouco provável que o gestor do patrocínio não soubesse da ilegalidade que estava sendo praticada. Possivelmente, apostou na impunidade. Mas, agora, quem responderá, e especialmente quem ficou exposta na mídia, é a empresa, independentemente de a decisão ter sido tomada por um colegiado, com base em diretrizes internas, ou apenas por um professional específico. Ou seja, a questão do uso indevido dos recursos é o sintoma da falha da governança da empresa. Como é possível que um gestor decida usar a verba de projetos socioculturais para benefícios próprios, sem análise de risco, e sem processos de seleção que estabelecessem limites para decisões fora da ética? Importante frisar que a empresa patrocinadora não responderia caso a não realização ou ilegalidade ficassem restritas a ato do produtor. Este seria penalizado sozinho e, eventualmente, responderia por inadimplência contratual. A demora na análise das contas dos projetos, provavelmente, gerou o sentimento de impunidade e aumentou a ousadia. Mas, a ilegalidade era indiscutível e foi revelada pela atuação do Ministério da Cultura, que com todas as falhas atribuídas ao Poder Público, foi mais eficiente que os departamentos de compliance das empresas. O Boca Livre não é resultado da ação de uma empresa produtora inadimplente apenas, mas sim fruto da associação deste produtor com patrocinadores que, ou queriam levar vantagem em tudo, ou não tinham regras para seus gestores. Prefiro acreditar que seja a última opção, assim falamos do equívoco de um profissional e não da ineficiência ou inexistência da governança de uma empresa inteira. As empresas têm um papel importante na gestão destes recursos, para além da exposição de suas marcas. Um patrocinador que apoia a cultura está ocupando o papel do mecenas. Está atuando como impulsionador das artes, e, portanto, não pode fazê-lo de forma leviana. Existem diversos exemplos de patrocínios empresariais à cultura que fizeram e fazem a diferença para os artistas e especialmente para o público. As empresas devem seguir esses exemplos inspiradores e adotar regras do uso dos incentivos que não permitam a pressão sobre o produtor, nem a decisão voluntariosa de um profissional desavisado. As empresas, não obstante o susto, devem manter seu papel de apoiadores da cultura e não devem ter medo da Lei Rouanet. Ao contrário, devem usá-la, pois garantirão a produção de mais projetos artísticos no país, bem como a distribuição mais democrática de várias ações. Afinal, a culpa não é do incentivo, mas da falha de governança. Portanto, precisam estabelecer diretrizes claras para o uso dessa verba, assim como o fazem em outras áreas da empresa. A governança precisa estar presente especialmente nas ações institucionais da marca e na sua relação com a comunidade. Precisa ser uma prática constante, diligente e intransigente das empresas. Desta forma, teremos ações culturais relevantes e também a exposição positiva das marcas. http://www.direitocom.com/artigos/lei-rouanet-boca-livre-e-governanca-empresarial