Aquele clichê que diz que brasileiro é um povo criativo nunca foi tão necessário de ser visto na prática. A criatividade deve ser, segundo especialistas, a melhor – talvez a única, no momento – saída para que o mercado cultural sobreviva à atual crise econômica do país.
Cultura e Mercado procurou algumas das maiores empresas brasileiras que investem em cultura para saber qual foi a média do volume de recursos destinado à área nos últimos anos e quais as perspectivas para 2015. De maneira geral, a afirmação é que não haverá grandes choques. A Petrobras, por exemplo, manteve um patamar de investimento na casa dos R$ 120 milhões entre 2013 e 2014, sendo R$ 25 milhões com benefício fiscal de leis estaduais – ICMS. Segundo a assessoria de imprensa da empresa, os valores totais para 2015 ainda não estão definidos, mas a intenção é manter o mesmo nível de investimento dos últimos anos. Já o Banco do Brasil vem mantendo seu investimento em programação cultural na casa dos R$ 40 milhões desde 2010 – exceto em 2011, quando investiu R$ 50,7 mi -, além de cerca de R$ 60 milhões por ano na manutenção dos quatro centros culturais. Em 2012, de acordo com a assessoria de comunicação do banco, foram R$ 41 milhões; em 2013, R$ 41,8 mi; em 2014, um pequeno crescimento: R$ 46,8 milhões. Para 2015, a estimativa é de R$ 42 milhões. Nos últimos três anos, os Correios tiveram um crescimento no valor destinado à programação dos seus equipamentos próprios – em Brasília (DF), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Recife (PE), Fortaleza (CE), Juiz de Fora (MG) e Niterói (RJ). Em 2012 foram destinados R$ 8,7 milhões; em 2013, R$ 14,1 milhões; e em 2014, R$ 17,3 milhões. A empresa informa ter investido ainda R$ 35 milhões em projetos culturais de todo o país para o biênio 2014/2015, além de destinar recursos para obras de restauração e preservação do patrimônio histórico nacional – cerca de R$ 27 milhões -, e prevê aproximadamente R$ 18 milhões para a manutenção da programação cultural de seus equipamentos próprios em 2015. A Vale informou que os investimentos de recursos incentivados variam anualmente de acordo com os resultados da empresa, que refletem o cenário econômico no qual está inserida e, também, sua estratégia de negócios. Em 2012 o total de investimentos por meio da Lei Rouanet foi de R$ 44,9 milhões; em 2013, R$ 29,4 milhões; e em 2014, R$ 51 milhões. Para 2015, como nos períodos anteriores, o valor total será calculado ao final do ano, mas já estão confirmados patrocínios para o Memorial Minas Gerais Vale e o Instituto Inhotim, em Minas Gerais, o Prêmio da Música Brasileira e a Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), no Rio de Janeiro, e a manutenção e exposições do Museu Vale, no Espírito Santo. Já o BNDES investe recursos na cultura por meio de financiamento a empresas e pelo apoio não reembolsável a projetos, particularmente os de preservação do patrimônio cultural. Agregando instrumentos como o Programa BNDES para o Desenvolvimento da Economia da Cultura (BNDES Procult) e o Cartão BNDES, nos últimos oito anos foram R$ 2,4 bilhões para projetos culturais. Já na vertente do apoio não reembolsável, nos últimos oito anos o banco aprovou R$ 576 milhões. “A expectativa para o ano de 2015 é de manutenção da trajetória ascendente que vem sendo observada ao longo dos últimos anos, em função da continuidade da política e ampliação das ações que o BNDES vem implementando no setor, em todos os seus segmentos”, afirma Luciane Gorgulho, chefe do Departamento de Economia da Cultura do banco. Tem, mas acabou - Para os produtores culturais, no entanto, o cenário não é otimista. “O ano começou difícil para a captação de recursos. Não é especulação. Os projetos que estão sendo executados, em sua maioria realizaram a captação no final do ano passado”, afirma Cris Olivieri, consultora de cultura, comunicação e entretenimento e coautora do Guia de Produção Cultural (Edições Sesc). Segundo ela, ainda não se sabe se realmente as empresas terão lucro menor, mas como as projeções econômicas são ruins e a política está muito instável, os líderes das empresas estão cautelosos e adiando decisões em diversas áreas, especialmente no patrocínio. “Acredito que o investimento via Lei Rouanet deverá ser inferior e estará ainda mais concentrado no segundo semestre, pois as empresas esperarão o encaminhamento dos seus negócios para tomar decisões.” Responsável pela captação de recursos do Instituto Brasileiro de Gestão Cultural (IBGC), Daniele Torres também vê uma expectativa muito negativa do setor como um todo para 2015. “É o assunto mais comentado entre produtores, gestores e captadores. Nas diversas reuniões feitas com empresas este ano, o cenário no setor privado se mostrou ruim: muitas empresas demitindo, fazendo cortes severos de orçamento. Por isso acredito que 2015 será um ano tão difícil quanto 2014 para quem tem como principal fonte de financiamento o setor privado e usa as leis de incentivo”, diz. Mas para Daniele isso ainda é uma perspectiva especulativa. “Considero cedo para afirmarmos que vai ser melhor ou pior do que o ano passado. Se a crise política melhorar, acredito que poderemos ter um segundo semestre melhor. Mas por enquanto, ‘o freio de mão está puxado’ sim”, afirma Daniele, fazendo coro com Gui Afif, diretor do Guaimbé Bureau de Cultura. Segundo ele, a tônica é da incerteza. E a incerteza leva à precaução. “Como incentivos federais são baseados no lucro apurado ao final do período fiscal, a precaução está levando os gestores privados a praticamente zerar os investimentos. Os patrocínios com recursos próprios estão sofrendo cortes também, devido aos cortes de custos nas empresas. A cultura e o entretenimento são sempre os primeiros a ‘entrar na faca’”, diz Afif. Entretanto, se considerarmos que a maior parte do investimento em Rouanet é realizada no final do ano, e com ele os produtores realizam os projetos no ano seguinte, talvez os maiores efeitos da crise venham a ser sentidos mesmo em 2016. É o que lembra Erick Krulikowski, sócio diretor da iSetor, empresa de gestão administrativa e financeira para empreendedores empresariais, culturais e sociais. Para ele, muitos projetos para 2015 já devem estar com os recursos destinados. Neste sentido, é preciso que aproveitem esses recursos da melhor maneira para diversificar as fontes de receita – ou seja, investir em outros produtos e serviços a serem oferecidos ao mercado. É neste momento que a questão da sustentabilidade deve ser trabalhada. “Na verdade, a grande questão para a sustentabilidade de uma empresa tem a ver com o grau de concentração em uma fonte de receita – ou seja, poucos clientes grandes, ou somente trabalhar com leis de incentivo”, explica Krulikowski. Diversificar é preciso - Os riscos são grandes quando existe uma dependência exagerada de poucas fontes. Por isso, o melhor é diversificar, de maneira que se um patrocinador não tiver recursos, a empresa ou organização consiga se manter oferecendo outros serviços para o mercado. “É pensar em ter uma pirâmide composta por poucos clientes grandes, alguns clientes médios e muitos clientes pequenos, que é uma pirâmide mais sustentável.” Afif acredita que, hoje, quem dependia dos recursos das estatais está buscando novos patrocinadores no setor privado, o que aumentou ainda mais a concorrência. “Assim, o diagnóstico é de um ou mais anos de ‘seleção natural’. Quem sobreviver vai pegar um mercado com menos concorrentes quando a crise acabar”, acredita ele, que para conseguir que seus projetos não morram está buscando depender o mínimo possível de patrocínio. Iniciativas que gerem recursos com bilheteria, que tenham baixo custo de implantação e que não requeiram muito dinheiro – para que o risco não seja muito grande -, mas que tenham alta rentabilidade com o público final. “Não dá pra alçar grandes voos neste momento, bancar projetos ambiciosos, mas é importante priorizar aqueles que se sustentem com o público final e patrocínios menores”, diz Afif. “Existe uma demanda por cultura que não se esgota. Acho que o público paga sim, mas o produtor tem que começar a valorizar o seu produto cultural.” Na esfera dos incentivos, Cris Olivieri acredita que a captação estará nos incentivos estaduais vinculados à renúncia no ICMS. “Independentemente do lucro, a simples comercialização gera o pagamento de imposto e, portanto, a possibilidade do patrocínio incentivado”. explica. Ainda assim, ela concorda que é preciso estabelecer outros caminhos de financiamento, como permutas de bens e serviços, bilheteria, subprodutos comercializáveis, e acima tudo, produções colaborativas. “É também um bom momento para cobrar políticas públicas. Não a revogação ou alteração de leis de incentivo à cultura – essas até podem ser pertinentes em alguns casos, mas caracterizam-se por ser renúncia fiscal, na qual o Estado apenas estimula a sociedade a apoiar a cultura. Seria importante que os gestores públicos, sabedores da situação recessiva da econômica, criassem e propusessem caminhos diferentes para os produtores e artistas”, defende Cris. O mais direto, diz a consultora, seria a criação de fundos públicos e editais, mas principalmente a celebração de acordos para uso de infraestrutura pública, convergência de ações e recursos, oportunidades para os criativos, estímulo à contratação de atividades artísticas e ao intercâmbio nacional e internacional e apoio à economia criativa. Enquanto isso, cada profissional da cultura deve começar a pensar no seu próprio trabalho de longo prazo. De acordo com Erick Krulikowski, nunca é tarde para pensar em novas estratégicas. “As organizações devem o quanto antes fazer um processo de análise interna e análise do mercado para pensar em novos produtos e serviços a oferecer”, ensina. “É preciso fazer um plano de negócios, mesmo que preliminar e básico, para orientar as ações. Se já houverem projetos fechados para 2015, é preciso ser mais eficiente e tentar fazer com que ele ajude a indicar novos caminhos de ação no mercado.” “Somos criativos!”, anima Daniele Torres. “A essência do nosso trabalho sempre foi ‘pensar fora da curva’, então acredito que vamos encontrar soluções inovadoras”, defende. Para ela, esse momento é de grande oportunidade para olhar para outras fontes de financiamento e deixar de lado um pouco o patrocínio privado por meio de leis de incentivo. “Quem depender só disso estará numa situação complicada em 2015. Quem estiver trabalhando outras fontes vai sobreviver à crise e amadurecer na área de mobilização de recursos.”