Por Paula Autran, Leonardo Lichote e Luiz Felipe Reis para O GLOBO 30/11/2017
RIO — As mudanças trazidas pela nova Instrução Normativa da Lei Rouanet, antecipadas ontem pelo GLOBO, foram em geral bem recebidas pelos profissionais da área cultural. Principalmente as que dizem respeito à admissão de empreendedores culturais iniciantes e à desburocratização do processo de obtenção de patrocínio. Mas algumas medidas anunciadas pelo ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, geram polêmica e dúvidas entre realizadores, produtores e gestores culturais, principalmente porque a instrução não foi publicada ontem no Diário Oficial da União, como esperado — segundo o ministério, por causa de alguns ajustes, ela só deve acontecer hoje. Entre os pontos sensíveis das novas regras, estão os incentivos a projetos em regiões com baixo histórico de projetos culturais e o aumento do teto dos serviços para empresas familiares. Para o especialista em gestão pública Carlos Paiva, ex-secretário de Fomento e Incentivo à Cultura do MinC (2015-2016), por exemplo, o ajuste do teto para proponente e familiares de 20% para 50% é motivo de preocupação. Ele dá como exemplo o caso de Antonio Carlos Bellini, dono da Bellini Cultural, considerado o cabeça de um esquema de fraudes na Lei Rouanet e alvo da operação Boca Livre da PF, que no bancou o casamento de seu filho com recursos da lei. — O caso Bellini tinha uma série de fornecedores familiares. O MinC não tem como verificar isso adequadamente. Seria melhor prever a possibilidade de excepcionalidade justificada (para o caso de empresas familiares) — observa ele, acrescentando que as medidas de descentralização não devem gerar efeitos ou, na melhor das hipóteses, este efeito será "pífio". O produtor cultural e jornalista cearense Henilton Menezes, que foi secretário do MinC entre 2010 e 2013, também não acredita que a instrução possa resolver o problema da centralização. — O problema da concentração dos recursos entre Rio e São Paulo (a Região Sudeste recebe 80% dos investimentos) não pode ser resolvido sem alargar a base de investidores, o que depende de a lei permitir a entrada de empresas de lucro presumido. Também não adianta aumentar a remuneração do captador. A gente não quer só receber espetáculos do Rio e de São Paulo no Nordeste. A gente quer produzir nossos projetos — diz ele, autor do livro "A Lei Rouanet Muito Além dos (F)Atos". — Efetivamente essa nova instrução normativa é inócua e não muda nada da realidade dos produtores fora do eixo Rio e São Paulo. Claramente não há uma preocupação em melhorar o acesso a recursos para os proponentes menores e que estão descentralizados — acrescenta o diretor Fernando Yamamoto, da Cia. Clowns de Shakespeare, sediada em Natal (RN). Para alguns especialistas ouvidos pelo GLOBO, o anúncio da nova instrução normativa desvia a atenção do setor para o real problema do MinC: o seu orçamento, que em 2018 deverá ser o menor valor em 15 anos, a partir do que indicam os valores contidos no Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) enviado por Temer. — O orçamento do ministério segue em queda livre. O valor do orçamento discricionário está próximo ao que era em 2004, em valores nominais! Isso significa que não haverá recursos para o Fundo Nacional de Cultura e para políticas públicas, apenas para manutenção do MinC. Isso afasta qualquer possibilidade de democratização do setor — destaca João Brant, secretário executivo do MinC entre 2015 e 2016. Texto Original: Produtores e Especialistas Comentam Mudanças na Lei Rouanet